quarta-feira, 12 de setembro de 2007

A VIOLÊNCIA DAS LEIS

A VIOLÊNCIA DAS LEIS

Por Leão Tolstói

Muitas constituições foram criadas de modo a fazer com que as pessoas
acreditassem que todas as leis estabelecidas atendiam a desejos expressos pelo povo. Mas
a verdade é que não só nos países autocráticos, como naqueles “supostamente” mais
livres as leis não foram feitas para atender a vontade da maioria, mas sim a VONTADE
DAQUELES QUE DETÊM O PODER. Portanto elas serão sempre, e em toda a parte,
aqueles que MAIS VANTAGENS POSSAM TRAZER À CLASSE DOMINANTE E AOS
PODEROSOS. Em toda a parte e sempre, as leis são impostas utilizando os únicos meios
capazes de fazer com que algumas pessoas se submetam à vontade de outras, isto é,
pancadas, perda da liberdade e assassinato. Não há outro meio.
Nem poderia ser de outro modo, já que as leis são uma forma de exigir que
determinadas regras sejam cumpridas e de obrigar determinadas pessoas a cumpri-las
(ou seja, fazer o que outras pessoas querem que elas façam) E ISSO SÓ PODE SER
OBTIDO COM PANCADAS, PERDA DA LIBERDADE E COM A MORTE. Se as leis existem,
é necessário que haja uma força capaz de obrigar as pessoas a respeita-las. E só há uma
força capaz de fazer com que alguns seres se submetam à vontade de outros e esta força é
a violência. Não a violência simples, que alguns homens usam contra seus semelhantes
em momento de paixão, mas uma VIOLÊNCIA ORGANIZADA, usada por aqueles que tem
o poder nas mãos para fazer com que os outros obedeçam à sua vontade.
Assim, a essência da legislação não está no sujeito, no objeto, no direito, na idéia
do domínio da vontade coletiva do povo ou em qualquer outra condição tão confusa e
indefinida, mas sim no fato de que AQUELES QUE CONTROLAM A VIOLÊNCIA
ORGANIZADA DISPÕEM DE PODERES PARA FORÇAR OS OUTROS A OBEDECÊ-LOS,
fazendo aquilo que eles querem que seja feito.
Assim, uma definição exata e irrefutável para legislação, que pode ser entendida
por todos, é esta: “AS LEIS SÃO REGRAS FEITAS POR PESSOAS QUE GOVERNAM POR
MEIO DA VIOLÊNCIA ORGANIZADA, QUE, QUANDO NÃO ACATADAS, PODEM FAZER
COM QUE AQUELES QUE SE RECUSAM A OBEDECÊ-LAS SOFRAM PANCADAS, A
PERDA DA LIBERDADE E ATÉ MESMO A MORTE.”

terça-feira, 7 de agosto de 2007

IMPROVISO

O link para o texto de Marilena Chaui está com problema, vou colocá-lo aqui copiem e colem no word


Explicações para a violência impedem que a violência real se torne
compreensível
(14/3/1999)
Uma ideologia perversa
MARILENA CHAUI
Embora "ta ethé" e "mores" signifiquem o mesmo, ou seja, costumes e modos de agir
de uma sociedade, entretanto, no singular "ethos" é o caráter ou temperamento
individual que deve ser educado para os valores da sociedade, e "ética" é aquela parte
da filosofia que se dedica à análise dos próprios valores e das condutas humanas,
indagando sobre seu sentido, sua origem, seus fundamentos e finalidades. Sob essa
perspectiva geral, a ética procura definir, antes de mais nada, a figura do agente ético
e de suas ações e o conjunto de noções (ou valores) que balizam o campo de uma
ação que se considere ética.
O agente ético é pensado como sujeito ético, isto é, como um ser racional e consciente
que sabe o que faz, como um ser livre que decide e escolhe o que faz e como um ser
responsável que responde pelo que faz. A ação ética é balizada pelas idéias de bem e
mal, justo e injusto, virtude e vício.
Assim, uma ação só será ética se consciente, livre e responsável e será virtuosa se
realizada em conformidade com o bom e o justo. A ação ética só é virtuosa se for livre
e só o será se for autônoma, isto é, se resultar de uma decisão interior do próprio
agente e não de uma pressão externa. Evidentemente, isso leva a perceber que há um
conflito entre a autonomia da vontade do agente ético (a decisão emana apenas do
interior do sujeito) e a heteronomia dos valores morais de sua sociedade (os valores
são dados externos ao sujeito).
Esse conflito só pode ser resolvido se o agente reconhecer os valores de sua sociedade
como se tivessem sido instituídos por ele, como se ele pudesse ser o autor desses
valores ou das normas morais, pois, nesse caso, ele será autônomo, agindo como se
tivesse dado a si mesmo sua própria lei de ação.
Enfim, a ação só é ética se realizar a natureza racional, livre e responsável do sujeito e
se este respeitar a racionalidade, liberdade e responsabilidade dos outros agentes, de
sorte que a subjetividade ética é uma intersubjetividade socialmente determinada.
Sob essa perspectiva, ética e violência são opostas, uma vez que violência significa:
1) tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de algum ser (é
desnaturar);
2) todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém (é
coagir, constranger, torturar, brutalizar);
3) todo ato de violação da natureza de alguém ou de alguma coisa valorizada
positivamente por uma sociedade (é violar);
4) todo ato de transgressão contra o que alguém ou uma sociedade define como justo
e como um direito.
Consequentemente, violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou
psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela
opressão e intimidação, pelo medo e o terror. A violência se opõe à ética porque trata
seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade, como se fossem
coisas, isto é, irracionais, insensíveis, mudos e inertes ou passivos.
Ora, vivemos, no Brasil, uma situação paradoxal: de um lado, grita-se contra a
violência e pede-se um "retorno à ética" e, de outro, são produzidas imagens e
explicações para a violência tais que a violência real jamais possa se tornar visível e
compreensível.
De fato, a violência real é ocultada por vários dispositivos:
1) Um dispositivo jurídico, que localiza a violência apenas no crime contra a
propriedade e contra a vida;
2) um dispositivo sociológico, que considera a violência um momento de anomia social,
isto é, como um momento no qual grupos sociais "atrasados" ou "arcaicos" entram em
contato com grupos sociais "modernos", e, "desadaptados", tornam-se violentos; 3)
um dispositivo de exclusão, isto é, a distinção entre um "nós brasileiros não-violentos"
e um "eles violentos", "eles" sendo todos aqueles que, "atrasados" e deserdados,
empregam a força contra a propriedade e a vida de "nós brasileiros não-violentos"; e
4) um dispositivo de distinção entre o essencial e o acidental: por essência, a
sociedade brasileira não seria violenta e, portanto, a violência é apenas um acidente
na superfície social sem tocar em seu fundo essencialmente não-violento -eis por que
os meios de comunicação se referem à violência com as palavras "surto", "onda",
"epidemia", "crise", isto é, termos que indicam algo passageiro e acidental.
Dessa maneira, as desigualdades econômicas, sociais e culturais, as exclusões
econômicas, políticas e sociais, o autoritarismo que regula todas as relações sociais, a
corrupção como forma de funcionamento das instituições, o racismo, o sexismo, as
intolerâncias religiosa, sexual e política não são considerados formas de violência, isto
é, a sociedade brasileira não é percebida como estruturalmente violenta e por isso a
violência aparece como um fato esporádico superável.
Construída essa imagem da violência, espera-se vencê-la com o "retorno à etica",
como se a ética não fosse uma maneira de agir e sim uma coisa que estivesse sempre
pronta e disponível em algum lugar e que perdemos ou achamos periodicamente.
Que se entende por essa ética à qual se pretenderia "retornar"? Três são seus sentidos
principais: aparece, primeiro, como reforma dos costumes e restauração de valores
passados e não como análise das condições presentes de uma ação ética. A ética é,
aqui, tomada sob uma perspectiva conservadora (e mesmo reacionária) e incumbida
de promover o retorno a um bom passado imaginário.
A seguir, surge como multiplicidade de "éticas" (ética política, ética familiar, ética
escolar, ética de cada categoria profissional, ética do futebol, ética da empresa),
portanto desprovida de qualquer universalidade e entendida como competência
específica de especialistas (as comissões de ética).
Aqui, confunde-se ética e organização administrativas, isto é, a ética é tomada como
um código de condutas que define hierarquias, cargos e funções das quais dependem
responsabilidades funcionais para o bom andamento de uma organização. Além de
confundir-se com a funcionalidade administrativa, a pluralidade de éticas também
exprime a forma contemporânea da alienação, isto é, de uma sociedade totalmente
fragmentada e dispersa que não consegue estabelecer para si mesma nem sequer a
imagem da unidade que daria sentido à sua própria dispersão.
A esses dois sentidos, acrescenta-se um terceiro no qual a ética é entendida como
defesa humanitária dos direitos humanos contra a violência, isto é, tanto como
comentário indignado contra a política, a ciência, a técnica, a mídia, a polícia e o
Exército quanto como atendimento médico-alimentar e militar dos deserdados da
terra.
A ética, aqui, não só se confunde com a compaixão como ainda permanece cega às
condições materiais da sociedade contemporânea, na qual há uma contradição surda
entre o desenvolvimento tecnológico ou o trabalho morto cristalizado no capital e o
trabalho vivo, de tal maneira que o desenvolvimento tecnológico torna inútil e
desnecessário o trabalho vivo. Em outras palavras, pela primeira vez na história
universal a economia declara que a maioria dos seres humanos é desnecessária e
descartável, pois, na economia contemporânea, o trabalho não cria riqueza, os
empregos não dão lucro, os desempregados são dejetos inúteis e inaproveitáveis.
Ora, o "retorno à ética" pretende manter a idéia de que o trabalho é a condição da
moralidade e da virtude, o Bem, um dever moral e sacrossanto e por isso mesmo
culpabiliza os desempregados e subempregados por sua situação, não cessa de
humilhá-los e ofendê-los e de considerá-los portadores da violência.
Nem por isso, entretanto, a ética tomada como compaixão pelos deserdados supera a
alienação social e a violência. Em primeiro lugar, porque o sujeito ético ou o sujeito de
direitos está cindido em dois: de um lado, o sujeito ético como vítima, como sofredor
passivo, e, de outro lado, o sujeito ético piedoso e compassivo que identifica o
sofrimento e age para afastá-lo.
Isso significa que, na verdade, a vitimização faz com que o agir ou a ação fique
concentrada nas mãos dos não-sofredores, das não-vítimas que devem trazer, de fora,
a justiça para os injustiçados.
Estes, portanto, perderam a condição de sujeitos éticos para se tornar objetos de
nossa compaixão e, consequentemente, para que os não-sofredores possam ser éticos
é preciso duas violências: a primeira, factual, é a existência de vítimas; a segunda, o
tratamento do outro como vítima sofredora passiva e inerte. Além disso, a imagem do
Mal e a da vítima são dotadas de poder midiático: são poderosas imagens de
espetáculo para nossa indignação e compaixão, acalmando nossa consciência.
Precisamos das imagens da violência e do Mal para nos considerarmos sujeitos éticos.
Em segundo lugar, porque, enquanto na ética é a idéia do bem, do justo e do feliz que
determina a autoconstrução do sujeito ético, na ideologia ética é a imagem do mal que
determina a imagem do bem, isto é, o bem torna-se simplesmente o não-mal (não ser
ofendido no corpo e na alma, não ser maltratado no corpo e na alma é o bem).
O bem se reduz à mera ausência de mal ou à privação de mal, deixando de ser algo
afirmativo e positivo para tornar-se puramente reativo. Eis por que o "retorno à ética"
é inseparável da ideologia do consenso, uma vez que enfatiza o sofrimento individual e
coletivo, as corrupções política e policial por que tais imagens conseguem obter o
consenso da opinião: somos "éticos" porque todos contra o Mal.
A contrapartida dessa ideologia é clara: não nos perguntem sobre o Bem, pois este
divide as opiniões, e a "modernidade", como se sabe, é o consenso.
A ética como ideologia significa que em vez de a ação reunir os seres humanos em
torno de idéias e práticas positivas de liberdade e felicidade, ela os reúne pelo
consenso sobre o Mal, e essa ideologia é duplamente perversa: por um lado, procura
fixar-se numa imagem do presente como se este não só fosse eterno, mas sobretudo
como se fosse destino, como se existisse por si mesmo e não fosse efeito das ações
humanas; em suma, reduz o presente ao instante imediato, sem memória e sem
porvir.
Por outro lado, procura mostrar que qualquer idéia positiva do bem, da felicidade e da
liberdade, da justiça e da emancipação humana é o Mal.
Em outras palavras, considera que as idéias modernas de racionalidade, sentido da
história, abertura temporal do possível pela ação humana, objetividade, subjetividade
teriam sido responsáveis pela infelicidade do nosso presente, cabendo tratá-las como
mistificações totalitárias.
A ética como ideologia é perversa porque toma o presente como fatalidade e anula a
marca essencial do sujeito ético e da ação ética, isto é, a liberdade como atividade que
transcende o presente pela possibilidade do futuro como abertura do tempo humano.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

A CRIAÇÃO DO UNVERSO

A Criação do Universo

Antes que existisse uma estrela a brilhar, antes que houvesse anjos a cantar, já havia um céu, o lar do Eterno, o único Deus. Perfeito em sabedoria, amor e glória, viveu o Eterno uma eternidade, antes de concretizar o Seu lindo sonho, na criação do Universo.

Os incontáveis seres que compõem a criação foram, todos, idealizados com muito carinho. Desde o ínfimo átomo às gigantescas galáxias, tudo mereceu Sua suprema atenção.

Movendo-Se com majestade, iniciou Sua obra de criação. Suas mãos moldaram primeiramente um mundo de luz, e sobre ele uma montanha fulgurante sobre a qual estaria para sempre firmado o trono do Universo. Ao monte sagrado Deus denominou: Sião.

Da base do trono, o Eterno fez jorrar um rio cristalino, para representar a vida que d'Ele fluiria para todas as criaturas.

Como sala do trono, criou um lindo paraíso que se estendia por centenas de quilômetros ao redor do monte Sião. Ao paraíso denominou: Éden.

Ao sul do paraíso, em ambas as margens do rio da vida, foram edificadas numerosas mansões adornadas de pedras preciosas, que se destinavam aos anjos, os ministros do reino da luz.

Circundando o Éden e as mansões angelicais, construiu Deus uma muralha de jaspe luzente, ao longo da qual podiam ser vistos grandes portais de pérolas.

Com alegria, o Eterno contemplou a Capital sonhada.

Carinhosamente, o grande Arquiteto a denominou: Jerusalém, a Cidade da Paz.

Deus estava para trazer à existência a primeira criatura racional. Seria um anjo glorioso, de todos o mais honrado. Adornado pelo brilho das pedras preciosas, esse anjo viveria sobre o monte Sião, como representante do Rei dos reis diante do Universo.

Com muito amor, o Criador passou a modelar o primogênito dos anjos. Toda sabedoria aplicou ao formá-lo, fazendo-o perfeito. Com ternura concedeu-lhe a vida; o formoso anjo, como que despertando de um profundo sono, abriu os olhos e contemplou a face de seu Autor.

Com alegria, o Eterno mostrou-lhe as belezas do paraíso, falando-lhe de Seus planos, que começavam a se concretizar. Ao ser conduzido ao lugar de sua morada, junto ao trono, o príncipe dos anjos ficou agradecido e, com voz melodiosa, entoou seu primeiro cântico de louvor.

Das alturas de Sião, descortinava-se, aos olhos do formoso anjo, Jerusalém em sua vastidão e esplendor. O rio da vida, ao deslizar sereno em meio à Cidade, assemelhava-se a uma larga avenida, espelhando as belezas do jardim do Éden e das mansões angelicais.

Envolvendo o primogênito dos anjos com Seu manto de luz, o Eterno passou a falar-lhe dos princípios que haveriam de reger o reino universal. Leis físicas e morais deveriam ser respeitadas em toda a extensão do governo divino.

As leis morais resumiam-se em dois princípios básicos: amar a Deus sobre todas as coisas e viver na fraternidade com todas as criaturas. Cada criatura racional deveria ser um canal por meio do qual o Eterno pudesse jorrar aos outros vida e luz. Dessa forma, o Universo cresceria em harmonia, felicidade e paz.

Depois de revelar ao formoso anjo as leis de Seu governo, o Eterno confiou-lhe uma missão de grande responsabilidade: seria o protetor daquelas leis, devendo honra-las e revela-las ao Universo prestes a ser criado. Com o coração transbordante de amor a Deus e aos semelhantes, caber-lhe-ia ser um modelo de perfeição: seria Lúcifer, o portador da luz.

O príncipe dos anjos; agradecido por tudo, prostrou-se ante o amoroso Rei, prometendo-Lhe eterna fidelidade.

O Eterno continuou Sua obra de criação, trazendo à existência inumeráveis hostes de anjos, os ministros do reino da luz. A Cidade Santa ficou povoada por essas criaturas radiantes que, felizes e gratas, uniam as vozes em belíssimos cânticos de louvor ao Criador.

Deus traria agora à existência o Universo que, repleto de vida, giraria em torno de Seu trono firmado em Sião. Acompanhado por Seus ministros, partiu para a grandiosa realização.

Depois de contemplar o vazio imenso, o Eterno ergueu as poderosas mãos, ordenando a materialização das multiformes maravilhas que haveriam de compor o Cosmo. Sua ordem, qual trovão, ecoou por todas as partes, fazendo surgir, como que por encanto, galáxias sem conta, repletas de mundos e sóis - paraísos de vida e alegria -, tudo girando harmoniosamente em torno do monte Sião.

Ao presenciarem tão grande feito do supremo Rei, as hostes angelicais prostraram-se, fazendo ecoar pelo espaço iluminado um cântico de triunfo, em saudação à vida. Todo o Universo uniu-se nesse cântico de gratidão, em promessa de eterna fidelidade ao Criador.

Guiados pelo Eterno, os anjos passaram a conhecer as riquezas do Universo. Nessa excursão sideral, ficaram admirados ante a vastidão do reino da luz. Por todas as partes encontravam mundos habitados por criaturas felizes que os recebiam em festa. Os anjos saudavam-nos com cânticos que falavam das boas novas daquele reino de paz.

Tão preciosa como a vida, a liberdade de escolha, através da qual as criaturas poderiam demonstrar seu amor ao Criador, exigia um teste de fidelidade. Com o propósito de revelá-lo, o Eterno conduziu as hostes por entre o espaço iluminado, até se aproximarem de um abismo de trevas que contrastava com o imenso brilho das galáxias. Ao longe, esse abismo revelara-se insignificante aos olhos dos anjos, como um pontinho sem luz; mas à medida de sua aproximação, mostrou-se em sua enormidade. O Criador, que a cada passo revelava aos anjos os mistérios de Seu reino, ficou ali silencioso, como que guardando para Si um segredo. As trevas daquele abismo consistiam no teste da fidelidade. Voltando-Se para as hostes, o Eterno solenemente afirmou:

-"Todos os tesouros da luz estarão abertos ao vosso conhecimento, menos os segredos ocultos pelas trevas. Sois livres para me servirem ou não. Amando a luz estareis ligados à Fonte da Vida".

Com estas palavras, fez Deus separação entre a luz e as trevas, o bem e o mal. O Universo era livre para escolher seu destino.

O tão acalentado sonho do Criador se concretizara. Agora, como Pai carinhoso, conduzia as criaturas através de uma eternidade de harmonia e paz. Em virtude do cumprimento das leis divinas, o Universo expandia-se em felicidade e glória.

Havia um forte elo de amor, que a todos unia fortemente. Os seres racionais, dotados da capacidade de um desenvolvimento infinito, encontravam indizível prazer em aprender os inesgotáveis tesouros da Sabedoria divina, transmitindo-os aos semelhantes. Eram como canais por meio dos quais a Fonte da Eterna Vida nutria a todos de amor e luz.

Em Jerusalém, os ministros do reino reuniam-se ante o soberano Rei, sempre prontos a cumprir os Seus propósitos. Era através de Lúcifer que o Eterno tornava manifesto os Seus desígnios. Depois de receber uma nova revelação, ele prontamente a transmitia às hostes angelicais. Estas, por sua vez, a compartilhavam com a criação. Em célere vôo os anjos rumavam para as terras planetas capitais, onde, em grandes assembléias, reuniam-se os representantes dos demais mundos.

Em muitas dessas assembléias, Lúcifer fazia-se presente, enchendo os participantes de alegria e admiração. Perfeito em todas as virtudes, ele os cativava com sua simpatia. Nenhum outro anjo conseguia revelar como ele os mistérios do amor do Eterno.

O Universo, alimentando-se da Fonte da Vida, expandia-se numa eternidade de perfeita paz. A obediência às leis divinas era o fundamento de todo progresso e felicidade. Ainda que conscientes do livre-arbítrio, jamais subira ao coração de qualquer criatura o desejo de se afastar do Criador. Assim foi por muito tempo, até que tal problema irrompeu na vida daquele que era o mais íntimo do Eterno.

Lúcifer, que dedicara sua vida ao conhecimento dos mistérios da luz, sentiu-se aos poucos atraído pelas trevas. O Rei do Universo, aos olhos de quem nada pode ser encoberto, acompanhou com tristeza os seus passos no caminho descendente que leva à morte. A princípio, uma pequena curiosidade levou Lúcifer a se aproximar daquele abismo profundo. Contemplando-o, ele começou a indagar o porquê de não poder compreender o seu enigma.

Retornando a seu lugar de honra, junto ao trono, prostrou-se ante o divino Rei, suplicando-Lhe:

- Pai, dá-me a conhecer os segredos das trevas, assim como me revelas a luz.

Ante o pedido do formoso anjo, o Eterno, com voz expressiva de tristeza, disse-lhe:

- Meu filho, você foi criado para a luz, que é vida.

Convencendo-se de que o Criador não lhe revelaria os tesouros das trevas, Lúcifer decidiu compreender por si mesmo o enigma. Julgava-se capacitado para tanto.

Só Deus sabia o que se passava no coração de Lúcifer. O anjo, que fora criado para ser o portador da luz, estava divorciando-se em pensamentos do bondoso Criador que, num esforço de impedir o desastre, rogava-lhe permanecer a Seu lado.

Uma tremenda luta passou a travar-se em seu íntimo. O desejo de conhecer o sentido das trevas era imenso, contudo, os rogos daquele amoroso Pai, a quem não queria também perder, o torturavam. Vendo o sofrimento que sua atitude causava ao Criador, às vezes demonstrava arrependimento, mas voltava a cair.

Antes de criar o Universo, Deus já previra a possibilidade de uma rebelião. O risco de conceder liberdade às criaturas era imenso, mas, sem este dom, a vida não teria sentido.

Ele queria que a obediência fosse fruto de reconhecimento e amor, por isso decidiu correr o grande risco.

Ainda que prosseguisse na busca do sentido das trevas, Lúcifer não pretendia abandonar a luz. Esforçava-se para chegar a uma combinação entre essas partes que, no reino do Eterno, coexistiam separadas. Finalmente, com um sentimento de exaltação, concebeu uma teoria enganosa, que pretendia apresentar ao Universo como um novo sistema de governo, superior ao governar do Eterno. Denominou sua Lei "a ciência do bem e do mal".

Estruturada na lógica, a ciência do bem e do mal revelou-se atraente aos olhos de Lúcifer, parecendo descerrar um sentido de vida superior àquele oferecido pelo Criador, cujo reino possibilitava unicamente o conhecimento experimental do bem. No novo sistema, haveria equilíbrio entre o bem e o mal, entre o amor e o egoísmo, entre a luz e as trevas.

Ao longo do tempo em que amadurecera em sua mente a ciência do bem e do mal, Lúcifer soube guardar segredo diante do Universo. Continuava em seu posto de honra, cumprindo a função de Portador da Luz. Contudo, por mais que procurasse fingir, seu semblante já não revelava alegria em servir ao Eterno.

O divino Rei, que sofria em silêncio, procurava, por meio de Suas revelações de amor, preparar as criaturas racionais para a grande prova que se aproximava. Sabia que muitos dariam ouvido à tentação, voltando-Lhe as costas. A noite da provação faria sobressair, contudo, os verdadeiros fiéis - aqueles que serviam ao Criador não por interesse, mas por amor.

Ao ver que a hora da prova chegara, e que Lúcifer estava pronto para traí-Lo diante do Universo, o Eterno, que jamais cessara de revelar os tesouros de Sua sabedoria, tornou-se silencioso e contemplativo. O silêncio fez reviver no coração das hostes a lembrança daquela primeira excursão sideral, quando, depois de lhes mostrar as riquezas do reino da luz, Deus tornou-se silencioso ante aquele abismo. Lembram-se de Suas palavras: "Todos os tesouros da luz estarão abertos ao vosso conhecimento, menos os segredos ocultos pelas trevas. Sois livres para me servirem ou não. Amando a luz estareis ligados à Fonte da Vida".

Lúcifer, que passara a cobiçar o trono de Deus, indagou-Lhe o motivo de Seu silêncio. O Criador, contemplando-o com infinita tristeza, disse-lhe: "É chegada a hora das trevas. Você é livre para realizar seus propósitos".

Vendo que o momento propício para a propagação de sua teoria havia chegado, Lúcifer convocou os anjos para uma reunião especial. As hostes, desejosas de conhecer o significado do silêncio do Pai, tomaram seus lugares junto ao magnífico anjo, que sempre lhes revelara os tesouros do reino da luz.

Lúcifer começou seu discurso exaltando, como de costume, o governo do Eterno. Num amplo retrospecto, lembrou-lhes as grandiosas revelações que os enriquecera em toda aquela eternidade.

O silêncio divino, apresentou-o como sendo a indicação de que o Universo alcançara a plenitude do conhecimento oriundo da luz. Silenciando, o Eterno abria-lhes caminho para o entendimento de mistérios ainda não sondados, mantidos até então além dos limites de Seu governo.

Surpresas, as hostes tomaram conhecimento da experiência de Lúcifer sobre as trevas. Com eloqüência, ele falou-lhes da ciência do bem e do mal, indicando-a como o caminho das maiores realizações.

O efeito de suas palavras logo se fez sentir em todo o Universo. A questão era decisiva e explosiva, gerando pela primeira vez discórdia. Os seres racionais, em sua prova, tinham de optar por permanecer somente com o conhecimento da luz, o qual Lúcifer afirmava haver chegado ao seu limite, ou se aventurar no conhecimento da ciência do bem e do mal. No começo, os anjos debateram-se diante da questão, sendo logo depois todo o Universo posto à prova. Dir-se-ia que a ciência do bem e do mal

haveria de arrebanhar a maior parte das criaturas, mas, aos poucos, muitos que a princípio se empolgaram com a teoria, despertaram para a ilusão da mesma, reafirmando sua fidelidade ao reino da luz. Ao fim desse conflito, que se arrastou por longo tempo, revelou-se um terço das estrelas do céu ao lado de Lúcifer, e as restantes, ainda que abaladas pela prova ao lado do Eterno.

A ciência do bem e do mal fora apregoada por Lúcifer como um novo sistema de governo. Mas como exercê-lo, se o Eterno continuava reinando em Sião? O conselho, formado pelos anjos rebeldes, passou a tratar disso. Decidiram, finalmente, solicitar-Lhe o trono por um tempo determinado, no qual poderiam demonstrar a excelência do novo sistema de governo. Caso fosse aprovado pelo Universo, o novo sistema se estabeleceria para sempre; caso contrário, o domínio retornaria ao Criador.

Foi assim que Lúcifer, acompanhado por suas hostes, aproximou-se d'Aquele Pai sofredor, fazendo-Lhe tal pedido.

O Eterno não era ambicioso, apenas queria bem às Suas criaturas. Se a ciência do bem e do mal consistisse realmente num bem maior, não Se oporia à sua implantação, cedendo o trono a seus defensores. Mas Ele sabia que aquele caminho conduziria à infelicidade e à morte.

Movido por Seu amor protetor, o Criador desatendeu o pedido das hostes rebeldes, que se afastaram enfurecidas.

Lúcifer e suas hostes passaram a acusar o divino Rei, proclamando ser o seu governo de tirania.

Afirmavam ser sua permanência no trono a mais patente demonstração de Sua arbitrariedade. Não lhes concedera liberdade de escolha? Por que neutralizá-la agora, impedindo-os de pôr em prática um sistema de governo superior?

As acusações das hostes rebeldes repercutiram por todo o Universo, fazendo parecer que o governo do Eterno era injusto.

Isto trouxe profunda angústia àqueles que permaneciam fiéis ao reino da luz. Não sabendo como refutar tais acusações, essas criaturas, emudecidas pela dor moral, ansiavam pelo momento em que novas revelações procedentes do Criador pudessem aclarar-lhes os mistérios desse grande conflito.

As acusações e blasfêmias das hostes rebeldes alcançavam o ponto culminante quando o Eterno, num gesto surpreendente, ergueu-se de Seu trono, como que pronto a deixá-lo. Os infiéis, na expectativa de uma conquista, aquietaram-se, enquanto um sentimento de temor penetrava no coração dos súditos da luz. Entregaria Ele o domínio de toda a criação, para livrar-Se das vis acusações? De acordo com a lógica a partir da qual Lúcifer fundamentava seus ensinamentos, não restava outra alternativa ao Criador. Nesta tremenda expectativa, o Universo acompanhava os passos de Deus.

Num gesto de humildade, o Criador despojou-Se de Sua coroa e de Seu manto real, depondo-os sobre o alvo trono. Em Seu semblante não havia expressão de ressentimento ou ira, mas de infinito amor e tristeza.

Com solenidade, o Eterno proclamou que o momento decisivo chegara, quando cada criatura deveria selar sua decisão ao lado da luz ou das trevas. Numa ampla revelação, alertou para as conseqüências de um rompimento com a Fonte da Vida.

Lúcifer e seus seguidores estavam conscientes da seriedade daquele momento.

Vendo que o Trono permanecia vazio, Lúcifer e suas hostes, dominados pela cobiça, romperam definitivamente com o Criador.

Ao ver um terço dos súditos transpor as divisas da eterna separação, Deus deixou extravasar a dor angustiante que por tanto tempo martirizava Seu coração, curvando-Se em inconsolável pranto. Contemplando Seus filhos rebeldes, ergueu a voz numa lamentação dolorosa: "Meus filhos, meus filhos! Já não posso chamá-los assim! Queria tanto tê-los nos braços meus! Lembro-Me quando os formei com carinho! Vocês surgiram felizes e perfeitos, em acordes de esperança em eterna harmonia!

Vivi para vocês, cobrindo-os de glória e poder! Vocês foram a minha alegria! Por que seus corações mudaram tanto? O que mais poderia eu ter feito para fazê-los permanecer comigo? Hoje minh'alma sangra em dor pela separação eterna! Como olharei para os lugares vazios onde tantas vezes rejubilantes ergueram as vozes em hosanas festivas, sem me vir à mente um misto da felicidade e dor?! Saudade infinita já invade o meu ser, e sei que será eterna! Hoje o meu coração rompeu e quebrou-se; as cicatrizes carregarei para sempre!

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Hipótese da Credibilidade


Também a esfera política só vive de uma hipótese de credibilidade, a saber, que as massas são permeáveis à ação e ao discurso, que elas têm uma opinião, que elas estão presentes atrás das sondagens e das estatísticas. É somente a este preço que a classe política ainda pode acreditar que fala e é ouvida politicamente. Enquanto o político há muito tempo é considerado só como espetáculo no interior da vida privada, digerido como divertimento semi-esportivo, semilúdico (...) e na forma ao mesmo tempo fascinada e maliciosa das velhas comédias de costumes. O jogo eleitoral se identifica há muito tempo aos jogos televisados na consciência do povo. Este, que sempre serviu de álibi e de figurante para a representação política, se vinga entregando-se à representação teatral da cena política e de seus atores. O povo tornou-se público. É o jogo, o filme ou os desenhos animados que servem de modelos de percepção da esfera política. O povo também aprecia dia-a-dia, como num cinema a domicílio, as flutuações de sua própria opinião na leitura cotidiana das sondagens. Nada disso tudo incita a uma responsabilidade qualquer. Em momento algum as massas são engajadas de modo consciente política ou historicamente. Elas nunca o foram, só para se matar, com total irresponsabilidade. E isso não é uma fuga diante do político, mas o efeito de uma antagonismo inexpiável entre a classe (casta?) portadora do social, do político, da cultura, senhora do tempo e da história, e a massa informe, residual, despojada de sentido. A primeira sempre procura aperfeiçoar o reino do sentido, investir, saturar o campo do social, a segunda sempre desvia todos os efeitos do sentido, neutraliza-os e os rebate. Nesse enfrentamento, aquela que o venceu não é absolutamente a que se pensa.

Baudrillar, jean - À Sombra das Maiorias Silenciosas

domingo, 3 de junho de 2007

O EXAME


O EXAME

"O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles são diferenciados e sancionados. É por isso que, em todos os dispositivos de disciplina, o exame é altamente ritualizado. Nele vêm-se reunir a cerimônia do poder e a forma da experiência, a demonstração da força e o estabelecimento da verdade. No coração dos processos de disciplina, ele manifesta a sujeição dos que são percebidos como objetos e a objetivação dos que se sujeitam. A superposição das relações de poder e das de saber assume no exame todo o seu brilho visível. (...) Pois nessa técnica delicada estão comprometidos todo um campo de saber, todo um tipo de poder. Fala-se muitas vezes da ideologia que as "ciências" humanas pressupõem, de maneira discreta ou declarada. Mas sua própria tecnologia, esse pequeno esquema operatório que tem tal difusão (da psiquiatria à pedagogia, do diagnóstico das doenças à contratação de mão-de-obra), esse processo tão familiar do exame, não põe em funcionamento, dentro de um só mecanismo, relações de poder que permitem obter e constituir saber? O investimento político não se faz simplesmente ao nível da consciência, das representações e no que julgamos saber, mas ao nível daquilo que torna possível algum saber."

Michel Foucault, Vigiar e Punir

A todo instante este ritual sutil nos envolve. Da certidão de nascimento ao atestado de óbito, todo um complexo sistema de avalição é impingido ao sujeito na sociedade contemporânea, na verdade o sujeito é construido a partir deste minuncioso processo de vasculhamento, fragmento do ser somado para a remontagem de um personagem: o bom homem, o homem honesto, o homem visível, analisável, punível.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

O verdadeiro problema do homem é A EVASÃO BÁSICA DO ESSENCIAL. Esta evasão e fuga fazem parte da estrutura profundado homem. Fugir da saída da prisão é o resultado dessa estrutura do homem. O homem teme e detesta a saída da prisão. Ele resguarda-se acirradámente contra qualquer tentativa para encontrar essa saída. É este o grande enigma.

Wilhelm Reich